Laço Azul

Angélica Freitas

Discente do curso de Direito - UFJ


Uma menina com vestido rasgado, 

Desenha com o dedo um traçado no chão...

Ele leva o traço até o céu...

E o céu a faz o retorno para terra

Seu vestido tem um laço azul que faz ela sentir esquecer que tem rasgados.

Ele é azul como o horizonte que ela espreita.

E quando o dedo minúsculo faz a curva na terra, ela enfim deseja que a chuva caia e apaga o traçado imaginário

Do horizonte ela não sabe muito, nem tampouco se ele chegará até ela.

Mas ele é cintilante e brilhante nesses momentos.

Em que ela brinca com a terra e a terra vira aquarela.

Toda noite quando a fome aberta, 

ela olha pros irmãos.

Eles estão magros mais que ela.

E então ela abre mão do seu pedaço de pão.

Alimentar os pequenos, e observar a mãe fazendo uma prece na luz da vela, enquanto chora a falta que o pai faz 

Painho saiu faz meses, foi atrás de um emprego em cima de um caminhão que levou muita gente.

Mainha não sabe se ele volta, ela mesma diz que não voltaria.

A menina do vestido rasgado 

deseja tanto que o laço azul, pudesse mesmo era fazer ela estudar 

Ela então pega um livro que a mãe guarda e tenta folhear, 

as formas nas páginas são letras,

mas os nomes das letras ela desconhece.

O som de cada uma é diferente 

Disso ela se lembra da mãe dizendo.

Faz tempo que a mãe não tem tempo de sussurrar o som das que ela se lembra.

Toda noite quando todos se deitam, a mãe coloca eles juntos para se esquentarem já que não se tem muitas cobertas.

O frio no sertão é duro.

O irmão mais novo chora até dormir.

E sua barriga tá doendo já que ela não comeu seu pedaço de pão.

Mas para menininha do vestido rasgado aberta o ligeiramente o laço azul, e tenta se reconfortar que a melhor parte do dia é agora, quando ela deita, fecha os olhos, e ali ela pode sonhar.

Sonhar com um mundo onde seu vestido não é rasgado, onde eles tenham comida na mesa, ela saiba ler todas aquelas letras, onde o pai volte para casa, e não seja tudo uma incerteza.

E o aberto no laço vai ficando fraco e é o sinal de que o sono chegou.